O ar gelado da noite faz-me lembrar nitidamente de quando eu era algo que nunca existiu. Todos os dias de minha vida, sinto que guardo no coração as memórias dessa época, mas a cada vez que procuro compreendê-las, descubro em minha mente uma caixa de Pandora já vazia - tarde demais.
(Ainda bem que tatuei a esperança nas costas antes que ela fugisse)
Recordo-me de uma clareira em meio a árvores silenciosas e folhas que brilhavam negras sob as estrelas; eram olhos que vigiavam minha inocência. E o som tão familiar dos galhos caídos ao chão estalando sob meus pés que se moviam lentamente, lentamente, na escuridão.
Minhas pesadas vestes proporcionavam a sensação de que o coração batia forte por causa do cansaço de carregá-las, e não pela consciência pesada ou pelo pavor profundo. Mal conseguia levantar os joelhos o suficiente para dar o próximo passo, sem ter que arrastar os pés sobre as folhas secas e perturbar a atmosfera sepulcral que se abatia sobre mim, sobre nós. Mas somente eu permanecia acordada - talvez se estivesse de olhos fechados pudesse enxergar mais claramente.
E nesse instante se encerram as cortinas de minha memória. Ainda se fosse uma virgem, talvez o véu se revelasse transparente diante de meus olhos. No entanto, ouço apenas um grito e nada sei do que aconteceu daí em diante.
Seria este o momento de dizer "e eis que toca o despertador"? Bem, talvez, se eu estivesse tentando escrever ficção.
E essa cena parece música, mas eu mesma só me dei conta disso alguns anos depois da primeira vez que me lembrei de tudo isso. À época não conhecia Nirvana.
In the pines, in the pines,
where the sun don't ever shine,
I would shiver the whole night through
Agora, nesta 'quase madrugada' de outono, recupero os remotos instintos de fazer o mínimo de barulho possível enquanto caminho. Não preciso de árvores por perto para ouvir o sussurro das folhas pequeninas e abundantes nos galhos altos, quando o vento as acaricia. Mas seus olhos se fecharam porque já não há inocência alguma para ser vigiada.
Seria mais fácil voar para as colinas distantes de campos verdes, flores e cachoeiras do Elton John. Mas em minha terra de pinheiros o Sol não há de nascer. Aos poucos o sono me leva, em meio a calafrios. I will shiver the whole night through.
2 comentários:
Quem diria, vc falou de Nirvana e hj mesmo eu li uma entrevista antiga do Kurt para a Rolling Stones. As vezes eu tenho medo dessas coisas que acontecem. xD
Espetacular !!! A letra... a arte ... o corpo ! Te revelas escondida em um escondrijo exposto.
Gostei do blog !
Até !!!
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