Análise do poema "Imitação da Água"
de João Cabral de Melo Neto
Na primeira estrofe do poema, o autor introduz a comparação da mulher – provavelmente sua amada – a uma onda do mar. Inicia descrevendo a visão que tem da mulher deitada sobre a cama e aproxima essa imagem de uma "paisagem marinha", tanto em relação à delicadeza dos lençois em desalinho quanto à das curvas da mulher e da volubilidade natural das personalidades femininas. Ademais, ser observada na cama confere certa vulnerabilidade à mulher e é possível deduzir que o eu lírico acabara de compartilhar com ela momentos íntimos. Toda essa docilidade remete a uma calmaria de paisagem marinha à noite.
Na segunda estrofe, o eu lírico avança na comparação da mulher com a onda e passa a descrever essa onda como contida em si mesma. Contudo, essa pausa dura apenas um instante, e o observador parece tentar captá-la com o máximo de detalhes possível. Os três primeiros versos da terceira estrofe são dedicados a essa intenção; ainda que a onda-mulher esteja em constante movimento, o poeta conseguiu vislumbrá-la em um raro e precioso momento de imobilidade. O quarto verso da estrofe traz um novo elemento da natureza, as folhas, representando a vida que se move dentro da mulher. Essa ideia é acentuada pelo adjetivo "líquidas", embora as folhas possam parecer, em uma primeira leitura, desconectadas do grupo semântico relacionado à água do qual se originam as metáforas do poema; no entanto, o sentido desse termo se completa posteriormente.
A terceira estrofe é iniciada com o mesmo verso que inicia a segunda, o que já introduz a ideia de que o momento descrito ainda é o mesmo. A partir daí, também a cadência da pontuação é sutilmente atenuada, reforçando a ideia dessa intenção por parte do observador de parar o tempo a fim de absorver a essência do momento antes que ele se desvanecesse. Descreve a "hora precisa" em que a onda parou, comparando-a à pálpebra que recai sobre a pupila no momento em que um olho se fecha; em outras palavras, no momento de descanso, de pausa das atividades corriqueiras, que viriam a ser as constantes mudanças da figura feminina, em sua eterna mobilidade, assim como das ondas do mar.
A quarta estrofe continua a descrição do instante em que a onda-mulher parou, passando agora o verbo parar para o pretérito mais-que-perfeito, o que indica que, apesar de tratar-se de um único momento de imobilidade, a imagem observada começa a transformar-se aos olhos do observador, e o instante em que a mulher interrompeu sua constância natural de movimentos deu margem à comparação de sua figura a um novo elemento: uma montanha, conforme citado logo no início da quinta estrofe. Essa relação se deve às características "horizontal e fixa", já mencionadas e agora retomadas na quinta estrofe, que é na verdade uma continuação da quarta: "Uma onda que parara [...] que imóvel se interrompesse [...] e se fizesse montanha". Aqui é possível enxergar uma antítese ao "rumor de folhas líquidas" supracitado, sinônimo de vida em movimento: a montanha também não faz parte da cena marítima, e sua imobilidade ofusca o leve farfalhar das folhas das árvores que a recobrem, tornando-o imperceptível, mesmo que ainda esteja lá – é o mesmo que ocorre com a mulher quando se transforma em montanha, contendo ainda suas folhas em constante movimento ("mas que ao se fazer montanha/contivesse água ainda"), embora esse fator se torne obsoleto, temporariamente, enquanto ela é percebida na condição de montanha.
Todavia, essa transmutação simbólica de onda em montanha só tem lugar nos olhos e na mente daquele que observa a mulher, pois já que ela está imóvel e se contém, seu momento é também imutável – em outras palavras, ela ainda se encontra no mesmo instante no tempo.
Nos dois últimos versos da quinta estrofe aparece mais uma peculiaridade da mulher-montanha: sua mobilidade de onda permanece nela contida, o que denota o caráter passageiro da condição de montanha da mulher-onda. A sexta e a sétima estrofes reforçam com outros exemplos essa ideia de característica momentaneamente guardada, onde a "natureza sem fim" do movimento constante do mar e "o dom de se derramar" que torna as águas femininas estão todos contidos na onda – demonstrando, portanto, que a mulher tornou a ser comparada à onda, já que a própria condição de montanha era tão inconstante quanto a água.
A oitava estrofe dá continuidade ao pensamento iniciado na sexta: "uma onda que guardasse [...] a natureza sem fim [...] o dom de se derramar [...] mais o clima de águas fundas/a intimidade sombria/e certo abraçar completo". Toda essa subjetividade faz referência à mulher, tanto em sua personalidade tipicamente volúvel e imprevisível como no cenário de intimidade em que se encontra nesta noite, já comentado previamente. Também o "abraçar completo" se refere à qualidade de ser envolvente que é inata à mulher, tanto quanto à água.
Em paralelo à substância do poema, a forma também apresenta diversas singularidades que contribuem para o aspecto final de liquidez. A primeira estrofe, por exemplo, descreve o lugar onde a mulher está e a compara a uma onda. A partir da segunda, o poeta descreve a onda e a breve interrupção de seu movimento e, até o último verso da quinta, concentra-se em fazer analogias entre a mulher e a natureza. Da sexta estrofe em diante, o poeta aos poucos retorna à paisagem do quarto onde a mulher se encontra, detendo-se mais na comparação do que na metáfora. Em uma análise mais superficial poder-se-ia dizer que esse movimento mulher-onda-mulher é comparável à ondulação do mar.
Pode-se também notar intensa variação entre os tempos verbais empregados, sobretudo entre o pretérito imperfeito do modo indicativo e do modo subjuntivo, que inclui também o pretérito mais-que-perfeito e o particípio. Essa inconstância na expressão acentua a maneira fugidia de acordo com a qual é conduzido o poema.
Por fim, é possível comentar as funções de linguagem presentes no poema, a título de conclusão. Além de colocar a função poética em evidência, o autor ainda transforma o receptor em referente, pois, ao comparar a mulher a uma onda e descrever o instante em que observa essa onda, está ao mesmo tempo conversando com a mulher – conforme fica explícito nos versos "a uma onda deitada,/na praia, te parecias" – e falando sobre a onda.
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Há 6 anos